segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Imagine um deserto...

Hoje, o deserto é na lua
branco, é de noite
-na minha boca o dia vai querer raiar-
duro o chão de pequeniníssimas crateras de desenho infantil
a areia é mais branca que a do Abaeté
(com seus misteriosos crimes, com seus dias cheios de nanã)
dura. a areia é dura. de vez em quando se desfaz e desfaz e voa bem pouquinho...


eu não sou astronauta, de calça bag branca, imito.
tem algo no chão, e eu olho. o dia é noite e é preta com raios vermelhos, lilases?
o dia vem em forma de planeta outro.
e eu procuro saber se vai haver azul no céu,
mas é cedo.

o planeta é outro, e não é sol. ilumina de cor de rosa e roxo, e venta no meu rosto.
esplêndido, esse novo pequeno e segundo sol. ele é roxo, azul, aurora.
amarela mesma, só eu.

desfaço com os dedos as pedrinhas de areia, frias de noite. ela desfaz, ela desvem, ela esvai.
o cubo está pendurado no pescoço. é minúsculo e azul, de metal na corrente
poderia até colocar na boca
poderia engolir meu talismã.
se entrasse nele dormiria o sono de mil anos.
seguro entre os dedos, seguro.

respiro fundo enquanto amanhece. mas sei que a noite restará nas minúsculas crateras
e aqui não é a Terra, aqui é diferente.
para o meu lado direito, ao longe, um animal está no chão
sentado como um camelo, mas é um cavalo.
é um cavalo branco com manchas, de pele meio amarelada, brincalhão
novo, mais do que jovem.
está parado, doente, cansado, triste. está doente.
eu olho fixamente, de longe, para o cavalo doente. Seguro o cubo com força entre os dedos e sinto uma dor imensa.

À esquerda, ao longe, outro. O cavalo é preto, está de pé, parado em uma duna, a duna tapa a vista do espaço inteiro. A crina do cavalo não deixa ver o espaço sideral. Ele é grave, e tem olhos profundos, imóvel. Apenas a crina reage ao vento do novo sol, como o meu cabelo.
Eu estou imóvel e doo com o cubo entre os dedos. Meus ossos doem e começa a ficar frio. O dia teima em amanhecer de vagar demais para tamanha altitude, temo que vamos morrer d frio. É preciso fazer uma fogueira.
O cavalo no alto não, ele olha tudo de cima e ficará bem, ele não sente frio.

Eu não tenho certeza e imobilizo. Confio na aurora, confio no segundo sol, e confio que o verão está na esquina dos meus olhos. Seguro, ainda, o cubo minúsculo nas mãos, ele agora está menos frio.

Existe, na diagonal direita, para frente do cavalo doente, uma escada. De madeira, simples, fincada no chão. Poucos metros saem da superfície branca. Ereta, ela cintila levemente lilás. Vou até ela e a toco, porque ela sei que posso tocar. A pintura marrom está descascada, e por cima essa fina camada de algo que brilha, de leve. Na base, perto do chão, está rachando, talvez uma parte mais apodrecida. parece fazer parte de um escombro. A parte que respira em um escombro, e que brilha, ruínas brilhantes que subiram à luz pra respirar. Me aproximo da base, ajoelho, como se soubesse que lá embaixo continua o naufrágio de um navio. Ela respira e leva ar para o resto do navio afundado há milênios... Um pedaço vivo de uma coisa viva, porém naufragada há muito tempo, vestida de coisa morta. Mas ali vigia todo o deserto, é de lá que se veria o mar.

O ar então, ganha cheiro de maresia. E a lua é também parte do grande mundo que o mar tocou um dia.

Eu sei que é a hora dela, eu sei, mas eu não queria vê-la chegar. Ela é amarelada e se mistura com as cores do dia que chega, ainda muito de vagar, ela é cinza também e traz cores e sons ao céu, a tempestade. O vento encrespa, eu estou perto da escada. Eu estou perto da escada que é um mastro, que é um ponto fixo no mundo, e que me salva de sair voando, se precisar. Mas não precisa. O vento encrespa e me descabela. Só então eu procuro com  olhar o cavalo altivo, no alto da duna. Ele relincha, se move, pela primeira vez. de um lado para o outro, e me olha, mas não desce. Eu também não subo. Mãos na escada, eu me mantenho ali. O outro cavalo também continua onde está, no chão, treme apenas. Eu continuo insistindo com o olhar, quero uma resposta a uma pergunta que não existe, e bebo atenta os movimentos do cavalo preto. Ele para, ainda onde estava.

Um raio me assusta, direto na escada, mas não me machuca. Eu solto dela, caio no chão assustada. Procuro o olhar do cavalo negro, e ele parou, pouco mais abaixo na duna, me olha. A corrente do cubo arrebentou, e eu seguro ele pequeno na mão direita, com força para não perder. Só agora a chuva despenca, toda de uma vez. Eu penso que ao menos o cavalo doente terá o que beber, ele precisa de água, de muita água. Eu sei que ele estará bem, e que precisa beber muita água. A chuva não me assusta, mas se torna urgente, e eu finalmente corro para a direção que quero correr: o cavalo preto na duna. Seguro na mão direita o cubo, me encharco de toda a água que vem desabando do céu. Sei que a tempestade não me fará mal, sei que a água é só água, mas sei que ela cria a urgência e que me faz correr para onde eu quero correr. Eu subo a duna e paro na frente do cavalo, me sento. A chuva diminui. Estou encharcada. Com a mão esquerda toco o pescoço do cavalo, encharcado também. Ele aproxima a cabeça da minha, a chuva escorre da sua crina. Ainda altivo, mas mais próximo. Suas patas estão afundadas no chão que agora é de areia fofa e molhada. Minhas roupas estão encharcadas e cheias de areia. Abro a mão direita e vejo o cubo, agora mais brilhante, vivo. O cavalo olha na direção do sol, o segundo, o novo sol azulado, lilás. A chuva está passando. Eu também olho. Ele muda de cor, de tamanho, venta dentro do sol-planeta, e me assusta um pouco porque tudo ali está mudando e mudará o resto da existência. Seguro o cubo com força, e estou protegida pela grandeza do cavalo, pelo seu pescoço e sua cabeça, acima da minha.

Só então olho novamente para o cavalo lá embaixo. Ele continua na mesma posição, exatamente. Seu olhar é triste, mas eu sei que ele agora ficará bem. Do seu lado existe uma flor, mas ela não está viva. Talvez ela esteja afogada da chuva, talvez ela nunca tenha sido viva. Uma única flor vermelha, murcha e ensopada, como se tivesse brotado da própria existência do cavalo, como se o cavalo fizesse parte do chão, e a flor da junção dos dois. É muito triste. Eu choro e me levanto. De repente sou maior que o cavalo preto, sou maior que o cavalo branco. Sou maior que a duna, e quase do tamanho do novo sol. Me lembro de repente do cubo, e agora ele está no bolso esquerdo da minha calça branca. Estou tranquila, e deixo que ele descanse. Desço a duna a passos imensos, em apenas três. Existe, na direção de trás de onde eu vim, talvez um pequeno lago, e eu quero me lavar. Sorrio ao olhar para trás, para o cavalo negro, ainda em cima da duna, quero dizer a ele que venha também, logo depois de mim. Que me deixe ir à frente, apenas alguns minutos, e que me siga depois, que eu tirarei a areia do corpo dele. O outro cavalo fica, está aos poucos se levantando, e eu sei que ele seguirá na direção para onde some, à direita, o meu deserto. Ele deixará a flor ali, murcha... mas eu não sei se ela está morta. Deixarei para mais tarde. Eu não fico para vê-lo se levantar, com dificuldade, ou para me despedir. Confio que serei seguida dali a pouco pelo cavalo altivo da duna, e me viro para caminhar até a lagoa, onde vou me despir e me lavar, onde deixarei o pequeno cubo flutuar até anoitecer novamente.
 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Cola aqui


Cola aqui
Vem bater na minha porta, não mude a minha vida, não se declare, não me ame.
Cola aqui e me segura muito de leve, cola no meu pescoço e respira
Vem não mudar nada, vem tomar um chá e deixar tudo como está
Me dá uma colher bota açúcar nas frutas, liga o fogo e me pede pra tirar a sua blusa.
Vem quieto no meio da noite e me deita perto do chão, segura com os ombros a ponta dos meus dedos, arqueia as minhas costas, escolhe a minha pele, encolhe o ar que fica
 entre
Entra, fica à vontade. Deita no meu sofá, tira o sapato. Tira o meu ar, me dá risada.
A casa é sua, tira o seu casaco, abre a minha geladeira e os meus joelhos
Ajoelha e abre o meu zíper
Desiste e me abraça, descuida e enlaça meus pés por cima
Pisa no ritmo e encontra as coxas e as minhas costas
Segura as tuas mãos e deixa
Deixa quieto, fala do tempo, faz piada, acalma, desespera,
Me pega pela nuca, me diz que nunca  
Larga as coisas na minha cadeira, as mãos na minha cintura
Desmente, desvia, me gira e coça o seu queixo rindo de lado
Passa as mãos pelos seus cabelos pelos meus braços pelos
Até acabar descansa os cantos do olhar
Encosta, até desencostar.
Cola aqui.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Cola aqui
Vem bater na minha porta, não mude a minha vida, não se declare, não me ame.
Cola aqui e me segura muito de leve, cola no meu pescoço e respira
Vem não mudar nada na minha vida, vem tomar um chá e deixar tudo como está
Me dá uma colher de chá bota açúcar nas frutas, liga o fogo e me pede pra tirar a sua blusa.
Vem quieto no meio da noite e me deita perto do chão, segura com os ombros a ponta dos meus dedos, arqueia as minhas costas, escolhe a minha pele, encolhe o ar que fica entre
Entra, fica à vontade. Deita no meu sofá, tira o sapato. Tira o meu ar, me dá risada.
A casa é sua, tira o seu casaco, abre a minha geladeira e os meus joelhos
Ajoelha e abre o meu zíper
Desiste e me abraça, descuida e enlaça meus pés por cima
Pisa no ritmo e encontra as coxas e as minhas costas
Segura as tuas mãos e deixa
Deixa quieto, fala do tempo, faz piada, acalma, desespera,
Me pega pela nuca, me diz que nunca  
Larga as coisas na minha cadeira, as mãos na minha cintura
Desmente, desvia, me gira e coça o seu queixo rindo de lado
Passa as mãos pelos seus cabelos pelos meus braços pelos
Até acabar descansa os cantos do olhar
Encosta, até desencostar.
Cola aqui.


ce pas

Passou, então, a inveja, os ciumes, grande parte da dor nos ossos. Os retratos, os trapos os pratos, talvez um pedaço até mesmo do papel. O bonde o trem, as horas, a saudade a fuga, a espera a vontade, a ponderação e a dor de garganta. Passou o pano de chão e lavou as paredes, desligou as luzes e acendeu as maçanetas. Passou o carteiro, o porteiro, o relojoeiro, a banda cantando coisas de amor. A janela, ela mesma também passou. O ponto as luvas, o peixe e as uvas, passaram os três filmes, no mudo. A tarde a noite na cama o domingo no parque, a rosa e o sorvete. José, João, o torcicolo e as chuvas de verão. O vício o vinco o tesão. Não, ele não. Mesmo os passistas impassáveis passivos por onde não passa nem uma mosca, os pacifistas. Passaram até os passados mais atados em nó arcano. Os vultos, os pesadelos, as sombras, o nevoeiro, e aquele gosto enorme de aeroporto. O recado, a bolsa e a carteira, as frutas todas da fruteira.

Feito bloco de carnaval
epílogo, os carros na marginal.

Como uma gripe.

ele mesmo, calado, passou olhando pro outro lado, disfarçado de dar dó.

Passou e só.

O meu maior defeito

Faz um favor ? Não me perdoe. Não me desculpe. Não seria justo que eu te pedisse desculpas por isso, porque disso eu não me desculparei e não me livro, porque disso eu preciso. Do meu maior defeito.

Existe uma linha, um fio, um fio que eu teço. Começa do começo: eu não esqueço.
E como eu não esqueço é preciso tecer em torno, em torno do nada fazer pequenos buracos, porque ao nada em si, eu não chego. Em torno do meu não-esquecer eu vou achando espaço de passos, um lugar onde é possível conectar a imagem à coisa, e a coisa, enfim, a outra coisa.

Aí é que complica. A outra coisa, a segunda, ela vem sempre de um minúsculo nó que puxa o final largado daquela outra linha ali, aquela deixada ali no chão, há alguns anos, minutos, dias. Então eu costuro, amarro, acho a ponta e conecto. Porque não faço ponto sem nó. Ou, pelo contrário, só faço nós que puxem os outros fios, e vamos assim deixando pontos e pontas. Três, para não perder a viagem.

Todos os fios novos são criados de amarras antigas. Uma frase, uma música, uma imagem. Pronto, achei. Essa aqui eu reconheço, essa aqui é espelho, é ponta livre para desfazer e reescrever aquela velha história que não teve fim. A nova não terá fim também, e é esse o grande jogo.

De vez em quando, no entanto, eu decido, e pico. e corto, e o corpo se desfaz em nunca, e ali acaba uma linha pendurada em si mesma. Dali não sairão tranças ou novos encontros, um passo que dê em outra linha gêmea, causa dessa. Essa linha não será causa de nada.

De vez em quando mesmo os seres memoriosos do abismo acham um ponto cego.
Ufa.


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

just a simple memory

I have always asked myself, every time I could relate so much to the characters in stories, who were children burried in books, with no friends, who were so in love with all the stories they read,
why, if I could relate to them so deeply, why did I not remember so many story books as a child?
Why did I not even know the smell of the school library, until I was probably ten, when before that I have always remembered myself as a child just like those.

Only today did I realise it. I don't remember so many books, because I didn't need books. I was covered, from head to toes, in my own stories. I walked from one end of the backyard to the other, every day, talking to myself, reading to myself the stories I wrote mentally, and would never actually write.

As a child, I was a writer of children stories. And sometimes it seems like such a betrayal to myself not to be a writer as an adult.

But then I remember that just because one is not a writer, just because one does not "make up things, and writes them down", does not mean one is not a story teller.


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

por hoje

há que beber muita água
esperar o fim para arrumar o quarto

há que lavar as toalhas,
as paredes

recolher os objetos que ele deixou pela casa.

A sétima margem do Rio

como é que faz o luto
de uma coisa boa, mas incompleta?
como é que faz o luto de uma coisa que não foi nem veio
como é que faz o luto de um homem vivo
que nunca veio
mas que promete repete e é um homem tão bom
como é que faz o luto desse caos desesperançoso
todo cheio de amor

como é que faz o luto de um pedaço pouco trágico de falta
de uma aresta mal aparada, da fenda, da farpa
como é que faz o luto de um corpo sem órgãos e ossos
de um troço cheio de carne e bolhas de ar
de um momento preenchido de espera
desespera, espera, desespera, desperta aperta, espera, desespera, despe
como é que faz?

Como é que faz o luto de um estrangeiro
de uma mala de couro
de um personagem?
Como é que faz o luto de uma não passagem, de uma eira nem beira
da miragem
do fim sem partida,
da margem.

estou atrasada.

Eu, essa pessoa mimada querendo superar os vivos.

Como é que faz pra parar de reclamar de boca cheia e barriga vazia?
como é que supera a fome de ontem?
como é que faz hoje a comida?
Como é que se espera lutar por menos, não pedir pagamento atrasado
juros
como é que se quer um velho que não envelhece?
como é que reza mesmo a porra daquela prece?
eu tenho demais, não tem nada dentro de mim
porque é que eu não sei fazer o que todos fazem?
porque é que eu, com pai vivo, saudável, sorridente,
preciso desesperadamente aprender um luto esquivo, oblíquo,
seca sem estiagem
esse rio caudaloso sem margem,
enchente dura empoeirada
corredeira de vento
meu pulmão sedento
água salgada agreste
cana de açúcar nunca mata a minha sede.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

cinco minutos

se eu temer você me mostra
o lado certo
da moeda?
se eu tremer você me aponta aposta a porta
o lado de fora da folha, a margem direita da estrela do norte?
corte, pique, estique distinga o que gritou antes de mim
rasgue, cole, reflita  o que ficou atrás

será o chão pordebaixo pôr debaixo, põe deibaixo
dos teus pés um calço, uma mula, um avião um tranco
põe um tranco
o passo, o vaso quebrado, o braço
travesseiro.

descalço tem mais sentido
denada tem menos brio
que o seu queixo olhando da janela aquela estrada feia fera floresta

será possível?
infesta.

se eu tremesse você puxava a toalha, o pano pra manga, o tapete
se eu firmasse você degolava um peixe
e seria seria assim um desesperaço sem eira nem feira nem fim, plumas e gotas de
invista desista desperta

fora isso
festa.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Leio livros por dinheiro

Leio livros por dinheiro.
Gostaria de oferecer os meus serviços. Senhores, sou leitora, é este meu ofício.
Quero, alias, ganhar dinheiro com isso. Não muito, até porque sou contra tudo o que é muito prolixo.
Aceito pagamento em cerveja, quando for pra ler coisa boa, sem vícios.
-Mas é preciso botar algo no mundo! dizem. Pois o mundo tem coisas demais, demais!
Alguém precisa ler os livros que se bota no mundo!
Quero ler. E quero comer também. Portanto, aguardo ofertas.
Pesquisar, ensinar, escrever e entender, são outra conversa.
Se for pra entender, escrever e ensinar a pesquisa, lerei bem e plenamente
em médias três livros na vida.
Alguém precisa ler os outros!
O serviço é relevante, de qualidade e sem charlatanismo.
Trabalho honesto, devotado, insisto!
Produzir tamagoshi, cortar cabelo, desenhar cadeiras, imprimir dinheiro.
Eu? eu leio.
E quem quiser que conte outra.

(Afora isso, talvez gostasse de ser carteiro)

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Laura



I know the stale apartment resigns itself
but the flowers smell so good.
That renouncing hapiness should be the only form of finding bliss
and you have been away for so long.
but the flowers smell so good.

roots break, bones and calous hands
have nothing to say.
you and I have nothing to say.
but, when I come home,
the flowers smell so good

I look at planes and flying saucers
my heart is a plastic bag in the last scene.
love is like staying,
love feels like that moment when you don't go.
love is traffic and family albums
love is the bathroom towel and a seasaw
when I need the swings.
And the broken spinner hangs around.
but the flowers, they smell so good.

They might be dead,
torn out
thorns cut off by hungry men
mixed by colors rotting slowly and beautifully
making worms wait.
They may be dead already
they may have died a thousand years ago
when we met.
They have been dead before it all began
yanked out of ocre earth by heavy hands
soul-less, wing-less, rest-less
dead and gone.
but, god, why then,
do they smell so good?

domingo, 16 de junho de 2013

Linguagem: Arma de "efeito moral"

Existem obviamente milhões de aspectos pra se falar nessa situação atual de SP e do Brasil. Todos eles são relevantes e urgentes, a ponto de nos tomar a energia, o tempo, e as emoções. Mas no momento eu quero falar da linguagem.

Terminologias não são arbitrárias ou inocentes, e eufemismos, quando se trata de uma situação desesperadora, são armas de dispersão que as autoridades usam à torto e à direita, para nos desestabilizar. A linguagem autoritária da mídia não é só a que explicitamente incita o ódio: é a que joga meias verdades e um punhado de frases feitas para desviar a atenção da população, desestruturar o movimento sem fazer barulho e sem mostrar a cara e o punho. É arma química, quase.

Por isso mesmo é que eu quero escrever como se falasse, trocasse ideia comigo mesma. Porque todos nós somos leitores, e por isso somos também escritores (não se privem desse direito!) Escritores da própria opinião, escritores em conjunto de opiniões alheias, relatores de fatos e testemunhos, escritores de perguntas e hipóteses para respostas. Em última instância, me parece, escritores – sim, abracemos a pieguice factual-  da história do país.

Porque eu não quero me preocupar com a linguagem formal, com a estrutura do texto que o dê legitimidade intelectual. Porque isso aqui não é uma questão de ser legitimado pela academia ou pelo raio que o parta. Alias, é essa necessidade de legitimação que cala a boca de muita gente que quer falar e acha que não sabe como, porque não tem (supostamente) os instrumentos pra isso. Você tem, nós temos, escreva. Então quero passar longe de um texto bem estruturado e preocupado com uma argumentação coesa e aparentemente plácida. A linguagem coesa, plácida e pacífica costuma ser a superfície mentirosa dos conflitos e das tensões. Não acredite na superfície plácida da linguagem estéril da grande mídia. Escrever sem emoção ou paixão nem sempre é sinal de objetividade: é muitas vezes estratégia para desmotivar o leitor. Eu quero justamente o contrário.
Vamos aos termos, expressões e ideias que desgastam quase invisivelmente a efervescência criativa e geradora de movimentação política:

bombas de efeito moral Polícia utiliza bombas de efeito moral para dispersar manifestação; etc
O que é esse “efeito moral”? por acaso são bombas que explodem liberando o som de uma bronca da sua mãe? “menino, que coisa feia!” ?! Como uma bomba pode ter um efeito apenas moral? Toda bomba tem, também, um efeito moral: a agressão física é também uma agressão psíquica, afeta as nossas emoções, gera traumas, desmoraliza. Porém as “bombas de efeito moral” podem ter um efeito físico extremamente eficaz, violento, como toda bomba. Veja as fotos, leia os relatos. Assim como as balas de borracha (parece arminha de brinquedo no termo né? Não é.), elas podem nos cegar, nos perfurar a pele, impedir a respiração, quer que eu continue? Isso é violência física muito antes de ser moral. É o Estado no nosso corpo, diretamente.
Se fosse guerra (e depois a gente pode discutir esse conceito, e se ele não se aplica mesmo, mas fica pra outro dia), estariam usando outro termo que serve para a mesma estratégia: casualidades. O que são “casualidades”? São mortes de gente que não tinha nada a ver com a treta toda, e foi morto porque “ops, o míssil caiu em uma escola, mal aê!”. Acho um absurdo permitirmos que se use esse termo para designar vidas. Não é casual matar pessoas. É a coisa menos casual que consigo imaginar.

Continuemos:
-parar o trânsito: Manifestantes param o trânsito; Polícia militar fecha a Avenida paulista para evitar que manifestantes parem o trânsito. Etc.
(Nem vou discutir a fundo o problema que é a valorização do direito dos motoristas em detrimento dos direitos de se manifestar, -e eu também sou motorista hein-, nem discutir o ridículo que é essa linha de raciocínio na qual se bloqueia uma via para impedir que alguém bloqueie essa mesma via. Pouquíssimo contraditório, né?)
Mas vamos só atentar para essa ideia que não para de circular: parar o trânsito. Alguém aí já pegou o trânsito da nossa amada Sampa às 6 da tarde? É algo em movimento por acaso? Quer dizer que o nosso direito de ir e vir está garantido quando ficamos horas na “primeira, ponto morto”, e o rádio explica “apenas excesso de veículos”, mas esse direito é violado quando essa mesma lentidão se explica por excesso de pessoas reivindicando direitos?! É isso mesmo?! Deixa eu entender então: alguém manda um relato de quantas horas demorou pra chegar em casa em dia de manifestação, e quantas horas demora em dia de verão com chuvas torrenciais na hora do rush? A péssima organização da cidade que não comporta seus habitantes e não suporta 10 minutos de chuva forte não viola o direito de ir e vir, mas os manifestantes sim? Cansei de ligar o rádio esperando uma explicação excepcional que desse razão pra tanto trânsito, e ouvir insistentemente “excesso de veículos”.
Ia ser legal se trocassem todas as vezes que dizem no rádio essa expressão excesso de veículos por insuficiência de transporte público. Porque notemos que o uso da expressão anterior é super útil pra deixar todo mundo de fora do problema: “eu estou dentro da quantidade razoável, o veículo do outro é excesso”. E o governo também fica des-responsabilizado nesse discurso, porque afinal não cabe ao poder público meter o bedelho na liberdade do cidadão de comprar carro. E aí é lindo: temos um problema irresolúvel, sem causa e nem agente. O lugar do culpado pelo trânsito fica vazio, esperando por alguém que pague o pato, vire autor. E aí aparece a manifestação: perfeito! Pronto, estão parando o nosso trânsito, que sem eles, afinal, fluía lindamente e só me dava alegria.
Não to dizendo que a manifestação não piore o nosso trânsito já catastrófico. Piora. Mas pra quê? A questão é que esses discursos escondem ideologias, prioridades, privilégios e bodes-expiatórios. E quem profere não faz sem querer.

A última vai ser mais curta, que a vida na internet é rápida e você já está de saco cheio de ler isso.
- Baderneiros. (Vou deixar sem exemplos, para o bem do leitor)
Quando a mídia, o Jornal Nacional, ou o seu vizinho chama um grupo de manifestantes de baderneiros, o quê estão fazendo? Implicando que bagunça (ou baderna mesmo) é aquilo que está sendo feito por esses sujeitos, realizadores da ação. Fazer baderna é bagunçar algo que, presumivelmente, estava em ordem, certo? AHÁ! (como no vídeo) Aí é que está. Digam, meus caros paulistanos, a nossa cidade vive algo próximo à ORDEM? Eu não conheço essa realidade. Chamar os manifestantes de baderneiros é dizer que sem eles a cidade está em ordem. A cidade de São Paulo é descrita pelos seus moradores como caos todos os dias. O discurso da baderna ajuda a esconder esse caos, e é justamente para mudá-lo que essa tal “baderna” se instaurou. Ilusão de uma cidade organizada, em ótimo ritmo de funcionamento: É para isso que serve a palavra baderneiros.
Quando a gente arruma o quarto direito, tem que abrir as gavetas, caixas, olhar cacareco por cacareco pra poder jogar fora o que não serve mais. Em primeiro momento isso faz mais bagunça, de fato. Tão entendendo onde eu quero chegar?

Enfim. Quem está lutando, falando, querendo poder falar, a meu ver tem que desfazer, de forma direta e reta, curta e grossa, esses eufemismos e desvios de atenção causados pela linguagem da grande mídia e do poder público. Precisam aparecer na mídia (grande e alternativa) imagens e palavras que lembrem o contrário dessas afirmações tendenciosas. Palavras que retomem o foco, reconstruam o que essa linguagem mal-intencionada de publicitários vestidos de jornalistas desfaz. Por isso a minha vontade pessoal é carregar cartazes que digam coisas óbvias que precisam ser ditas, como “polícia, vocês têm armas, nós não!”
É preciso que apareçam as nossas palavras por cima desses eufemismos autoritários, desses desvios de foco, desses tranquilizantes escritos por aí. Os nossos cartazes, relatos, status, tweets e etc têm que trazer de volta a atenção para os pontos que interessam. É preciso lembrar a todos alguns fatos como: arma não-letal É ARMA. (Aias, arma não-letal parece o velho “estupra mas não mata” né? Tudo bem ferir pessoas que não te feriram, desde que não as mate?!) É preciso lembrar a quê viemos, e desfazer a máscara das palavras bem pensadas e estratégicas da mídia autoritária. E isso não quer dizer ir contra metáforas, figuras de linguagem em geral: mas é preciso lembrar das mentiras em forma de fatos que se cospe por aí.

Pra terminar vale a pena lembrar um tumblr (sim, vou citar um tumblr, não um artigo nem um livro, nem um discurso de um intelectual de peso): http://privilegioinvisivel.tumblr.com. Desmascarar a linguagem autoritária é também lembrar que a Veja chamou, em uma capa, a mulher negra de “ela”, e em outra capa, o homem branco de “você”. Pronomes fazem diferença! E o tumblr lembra: “Privilégio é ser tratado como “VOCÊ” e não por “ELA” pelos maiores meios de comunicação do país” (http://privilegioinvisivel.tumblr.com/post/52154996150/privilegio-e-ser-tratado-como-voce-e-nao-por)
“Você” para a grande mídia é motorista de carro, branco de classe média ou alta, e cidadão alienado. E “eles” são os baderneiros. Proponho que a gente pense assim: nós somos cidadãos de São Paulo, o que faz sentido pra nós?


20 centavos é pouco? Sim. (Pra mim é, para outros não, mas no momento vamos pensar que seja pouco). Sabe a expressão “gota d’água”, “drop of the bucket”? A imagem é a seguinte: balde cheio, cai uma gota a mais, e transborda. Uma gota de água é pouco né? O balde estava cheio.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Amorde

Disse a Édipo a esfinge:

Não escolhe um lado meu, meu filho. Aceita-me por inteira. Decifra-me, e te devorarei.

E Édipo ficou em silêncio, sem saber que estava jogando o mesmo jogo de antes.

famigeramília

pessoas que não são estanques
estantes
pessoas que não são estantes, por mais que queiram -algumas- ser livros
devemos e queremos ser juntos (justos. foi um erro de digitação ala Dr Ziggie)
e pra isso: estou tentando abrir um espaço dentro dos meus ombros,
entre as minhas costelas,
ao lado dos meus peitos, under my colar bone
para que vocês sejam todos contradiçõesmente anti-estânticos
semi-semânticos
obrigada
é, talvez seja quem sabe mais difícil derrubar a estante
do que construir, de pedaços uma coisa que se possa chamar de.

que eu preferisse um muro, nem viria ao caso, mas não prefiro
uma rainha feita de perfeição é mais difícil de matar do que um urso
e selvagem sabe de selvagem, a vida de gotas de açúcar e porradas na madeira
melhor assim.
sincero isso, não é conformidade.
vocês são todos uma cidade grande, uma metrópole linda e poluída
sim e não e samba de avenida.
é pra se esperar do mundo que cada um sejam muitos
essa sabedoria devo a vocês,
meus amados ancestrais.





quinta-feira, 16 de maio de 2013

Entre dentro e fora da lente dos óculos


quando consigo, por um segundo, olhar bem no meio do aro
bem em cima da linha,
os faróis dos carros dali
borram, abrem-se, dançam
voam primeiras estrelas que vejo
-através da janela do seu banheiro, onde as cores se misturávam no acrílico -
a lâmpada reflete e flair-a , flerta.

Caio para a margem de cima, olho por fora
faróis
foco.
Caio para a margem de baixo, olho por dentro
faróis
só um pouco fora de foco (meus óculos são para perto)

Em cima da margem dos meus óculos, o equilíbrio aberto
na corda bamba do meu aro

Eu te disse uma vez meu tipo favorito de meditação é focar em bonito
entenda melhor: desfocar na medida exata da margem.
de cima do muro durmo confortável
encontro por segundos a beleza íngreme, que só você entenderia.

Prólogo - ou de como esmagar e não esmagar uma rosa -

Interessa-me a refeitura, a refazenda da fada, do conto do antigo, atávico, amplo e ambíguo, do ancestral.

Pergunto-me então, o que acontece quando ousamos modificar um conto de fadas? Me arrisco no esgotamento da interpretação, no esvaziamento do mais profundo dos sentidos inexplicáveis? É esse revolver a terra, justamente, que me interessa. É esse destrinchar e reescrever de verdades absolutas e passadas que me puxa. Que reaconteça então, o que se quiser.

Sempre detestei os críticos experts em "e se"s da literatura. Ainda os detesto, com facas nos olhos, hipotéticos patéticos. Mas o seu erro não é a maculação da obra, do personagem, da trama, ou do sentido daquilo que não poderia ter sido, se não, aquilo. Entendo agora que o que me parece absurdo é a posição distante e ascética dessas luvas brancas. Daqueles que não querem sujar as mãos de tinta. It's a dirty job.

Dizque disse Valery ser preciso ser crítico para ser escritor. Pois bem, verdade. Também, porém, é preciso ser tradutor para ser crítico, preciso ser escritor para ser crítico. no sentido mais banal de ser escritor. é preciso mastigar texto dentre os dentes, "filete de sangue nas gengivas" e o caralho. É preciso deglutir palavras, é preciso ser contaminado por estilos e refrões, é preciso ser copista como Pierre Menard de Borges, queimar manuscritos e negar convicções como Galileu de Brecht, ficar em silêncio como os poetas japoneses. É preciso pegar o texto com as mãos, come-lo com a boca, rasgá-lo com os dentes, pisá-lo com os pés, escrevê-lo novamente. Então vale até se perguntar sobre vida sexual de Capitu, os desejos mais profundos de Helena, e se era possível para o personagem da Terceira Margem do Rio não oferecer-se em sacrifício ao pai. Escrevam, pois, toda a des-história da literatura, toda outra vez. Mudem e desmudem o que quiserem, sem distância, sem ciência, com as mãos. Então será mais verdadeira a palavra que aponta para dentro e para fora do texto já existente. Não me interessa a obra imaculada, interessa-me a obra maculável.
 It's a dirty job, but someone's gotta do it.

Retorno ao meu ponto: reescrever contos de fada. O que significa, então, enfiar o braço até o ombro, no lodo denso de matéria há séculos se decompondo e fazendo existir massa de verdade orgânica e original? O que significa enfiar as mãos e revolver a estrutura original e absoluta, o próprio arquétipo?

O roubo, inicial e final da identidade. Talvez fosse e seja mesmo questão de antropofagia. Estenda, entenda, o conceito para fora dos nacionais e desnacionais: para fora de espaços e para além de tempos. Os jardins de veredas de Borges, os tempos que se cruzam. Tenho medo de matar a realidade, resolvendo-a com modificações confortáveis. Não, não é confortável matar ou perdoar a fera. É necessário ir além do julgamento do final feliz. É necessário ir além de tudo isso, para dentro do estômago. As palavras têm o poder curativo de entender que não se é curável. O xamã, para o luto. O lobo para ser o lobo, e não a solução interpretável do lobo. O que já está escrito para servir de tinta e papel. Todos os livros do mundo: papel manteiga, superfície. Será que ainda não entendemos a inexistência de folhas em branco? De superfícies abertas e limpas, à espera de nossa palavra original? É preciso roubar a Whitman, entrar no jogo amoroso entre Whitman e leitor, fazer menage a trois. É preciso entrar sem medo no meio das aspas, como Ana.

Mas eu tenho medo de matar a verdade original do ritual. É pela destruição e pela morte do pai e reorganização em desordem que se pode respeitar a tradição. Eu não sei, não tenho a mais vaga certeza. Me disse o mestre, citando sua mestra, que não esmagar uma rosa depende de não se ter medo do ato destruidor. Sei apenas que precisava dar a Chapeuzinho Vermelho canivete, pai, força bruta, a capacidade de dissimular, e um futuro nome. E que precisava roubar-lhe a capa.
 "a identidade se parece mesmo com um roubo inicial

fecha aspas.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

sexta-feira, 3 de maio de 2013

poema ouvido do andar de cima



bagunçamess of quotes
color-coded
labeled, folded
de fita e contact paper
and ultra original pontos finais.
desilusão obsessiva
transborda para fora das gavetas
gaivota rota na cortina.
eu não desço, nem precisaria
Pessoinha, quem será a próxima vítima?
quem será?

Você sabe o que significa uma orquídea?

Escalada em revisão
Fique atento: eu não quero
mais olhar a tua cara
no retrovisor.

é para isso o papelão no corredor
as tintas espalhadas pelo chão
para isso os recortes de reprodução

se não.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

poucas linhas sobre matar baratas

Se já não tivesse o assunto sido plenamente e profundamente explorado pelo menos em A Quinta História e A Paixão Segundo GH, de Clarice Lispector, eu sentiria a necessidade de, tímida e modestamente contar-lhes sobre como assassinei em desespero agônico a rainha das baratas, a maior e mais vil das coisas sem nome e sem precedentes. Seria um prazer acreditar em ameaças reais, mas a causa verdadeira e mais pura do meu asco e pânico me é -quase inteiramente- desconhecida. Talvez a rapidez: me assombra a rapidez com a qual assumem seu papel de indesejadas e consequentemente fugitivas por excelência. Ao contrário de tantos insetos e aracnídeos, não esperam o julgamento a ser feito: velhas de guerra. A lentidão talvez permitisse segundos olhares, mas eu pisco e já é absoluta a percepção que sou predestinada a te tirar a vida.

Se fosse ainda em algum nível necessário dizer qualquer palavra além das mais perfeitas obras existentes a respeito do que se trava ali, eu lhes contaria dos minutos depois do horror, nua dentro do banheiro (onde me preparava para lavar o suor que me escorrera o corpo, junto a uma cãibra nos abdomens que já bem conheço). Porque eu segurava a vassoura com olhar trêmulo e foco de caçador absorto e burro, eat or be eaten, porque eu seria absorvida e compreendida inteira por aquela criatura, se a deixasse vir na minha direção. Pressionava a vassoura e deixava milimetricamente espaços para que se aproximasse mais do local ideal para a minha lança. Ridícula cena de filme holliwoodiano de terror, o monstro que vive e revive a tiros na testa. Bicho imortal, maldito bicho imortal que esfrega no chão um sangue escuro (não vi nada da massa branca de Clarice), espalha pedaços de pernas peludas e finas e ainda assim quer e vai correr.

Se não tivesse sido dito já tudo o que se deve dizer a respeito de nós, delas, de nós e nosso horror divino, eu lhes contaria dos minutos depois quando, sentada nua sobre a privada do banheiro, via os pelos abaixo do meu umbigo, um pouco mais grossos e escuros, que começavam a brotar, e descendo um pouco mais, acima do púbis, pequenos pontos e protuberâncias escuras que crescem duros depois de semanas da última cera: os que eu quero ter e não quero jamais ter tido. Espremi ali um pelo encravado, e vi se desdobrar nos meus dedos aquela finura marrom que se parece tão perfeitamente com o pelo da perna de uma barata. E todos os pelos retorcidos mais abaixo, e aquele crescimento que rodeia meu sexo se impondo e sendo, intensamente, uma imensa barata. São todos pelos e antenas de baratas. Seria preciso, caso não fosse absolutamente desnecessário, contar que soube do mais profundo de  minha calma de Khali, ser feito meu copro de centenas de baratas mortas. Milhões em vala comum. Todas as baratas que morreram para que eu pudesse, fingida, existir.

domingo, 24 de março de 2013

AsA Child part I

As a child, I was much more ancient.
Much more a part of a larger whole
where time spread equally in all directions,
where time sat, master of war, god of extent, in all its might.

As a child, I belonged to some kind of ancient caste, a tribe of women and men driven by earth and water, wise and fragile as the corn.
I had, in my pockets, not dreams but memories of simultaneous realities, hand in hand with the internal organs of a faithless religion, of a fateless race.

As a child, I was a creator and a master of matter and words, much less...
much deeper shapes.

As a child, I knew, before my own body. A neglected consequence and a futile vase for words and images, my body grew in disarray, and shapes pressed on vast plains and fields. I had the wisdom of the insecure ugly small things, and the light of waterfalls and sunflower fields I'd take so long to love.

Inside, an elderly painfull immense animal, unwilling to exchange wisdom for bliss, respectful of my people's traditions, faithfull as a greek godess to truth.

In time, I learned pleasure and softness. Time contracted, and with it my veins, giving me migraines and the ability to win mind races. I lost the vastness of the ancient, and gained fast arrows and quick escapes. A survival strategy, and a gift for my heart. The loss of time and wisdom, the gain of pleasure, power and joy, and a light, colorful coat for the winter.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Terça feira de cinzas

queria fotografar, sem ângulos, essa tarde
sem frame, arestas, cortes curtos de escolha

de camadas, que fosse.
uma panorâmica em quatro dimensões.
não por ser alegre, essa tarde
nem melancólica.
mas por ser e estar seca e bela
parabolicamará tropicalista
num carnaval pós-dramático
regado, em gotas, a gravatas e vinho tinto

Meu pai, ao meu lado, bola um baseado
Maria Orquídea telefonou.
ele quer e não quer envelhecer
como se quer e não quer a tarde, a noite
por fim

Meu pai, ao meu lado, bola um baseado.

e eu deixo, por um instante, de ser filha
para ser um homem ao lado de um homem
que bola um baseado.

A paisagem do Rio de Janeiro é maior
que tudo o que se quer dizer.


- marginal?
- talvez um pouco
- carnavalesco?
- menos
- então não tem nada de antropofágico.