quarta-feira, 30 de março de 2011

errei a mira teórica e des-colhi pêssegos

mordida de pêssego pra ver se forra a camada a cimentar de teoria obrigatória, visceral, deliciosa, e mortalmente diária.

nunca estou escrevendo quando escrevo. Quase sempre dirigindo. Começo uma corrida sem respirar pra ver se não me perco, mas em casa desidealizo, e aí então às favas as palavras e as coisas. Todas tão inteiras. E dá uma fome do tamanho de mim. Uma fome de dizer, pra dentro e pra fora, de comer todas as nectarinas e pêssegos do mundo. Se eu fosse digna de estudo, tentariam descobrir a metáfora... mas já me esqueci. E acho muito cômico, como criança perdendo a frase na metade. Não tinha importância, e é essa a graça.

então fico no sobre-aviso a mim. Warning: não estou escrevendo.

teoria platônica, porque as paixões que Ana me causa não permitem pensamento reto de nenhuma espécie. E tenho que fugir da biblioteca, porque não pode entrar em combustão, nem começar a chorar na biblioteca (boys don´t cry at the library), em cima do livro que eu devia estar estudando e não deglutindo, desarmando, descabelando, vestindo, amando, fermentando, re-gestando, sorvendo, lambendo, cozendo, umedecendo, descabendo, cochichando, gargarejando e sendo.

Fujo e desteorizo, tentada e incontrolada. Não foi minha culpa. Tenho raiva dela a ponto de me dar tesão pela tentação de amá-la e incompreendê-la na sua infinita simplicidade que eu poderia muito bem ter escrito, porque é exatamente-me. Uma admiração do tamanho de um omicídio.

rasgo, transgressora clandestina um pedaço do caderno-todo-certinho fingindo que ninguém me vê:

Toda vez que eu releio Ana C dá essa sensação que mensagem de texto é poesia, uma vontade de levantar e gritar e rasgasr o mundo em 60 pedaços. Rasgar na fibra do mundo uma grande vagina, um sorriso de pé. E um abrir de braços que ninguém nessa biblioteca ia entender, mas ia dar pra respirar muito. Gastar um rasgo imenso e gritar "Eu Te Amo!", com um grito setentista quase sem destinatário que chora e ri de esplêndidos explêndidos berros. "eu te amo" e você não precisa me amar de volta, só precisa mesmo me querer bem.
e ler minhas cartas.

Gasgar um rasgo imenso e gritar "Eu Te Amo!", com um grito setentista quase sem destinatário

um destinatário passado, repassado antigo, scorso, mal-passado do ponto a ponto de não ter mais pedaço de gente ali no fim daquele fio de barbante-telefone que cruza um oceano inteiro. Acaba o outrolado, passa o destinatário passado num trem velho, e fica o "eu te amo", que nem brigadeiro que sobrou da festa. E eu estou mesmo afim de dar o brigadeiro que sobrou da festa no dia seguinte prum algum anti-lobo anti-príncipe que soubesseriará nada de novo, o endereço de casa, e passa de manhã, na manhã do dia seguinte. Aguardo.

quando danço mal, de manhã, quando tango errado porque ainda prendo-me em pernas e erro o abraço, morro de vontade de chorar. e daí passa. Eu não gosto mesmo de acabar, fico deixando esse e que começa-me

domingo, 13 de março de 2011

O poeta é um amador

é um rascunho, mas me importa, me interessa:

Literatura é arte? Era provavelmente a pergunta de uma pré-adolescente, ou de um arte-educador sem originalidade, tentando criar conversas pseudo-espontâneas com o público de uma das obras de uma exposição de artes visuais, que consistia num poema escrito em letras supostamente brilhantes em uma grande parede. Talvez ela fosse eu. A pergunta (tendo ouvido, ou feito -porque afinal quando se faz uma pergunta, tomando-se um certo cuidado, acaba-se logo em seguida por ouvi-la-) a pergunta me soou imensamente estúpida. O que mais seria literatura se não arte? Afinal ela não está entre as tais sete, listada, catalogada, devidamente ordenada e enclausurada? Pois bem! E então, se literatura é de fato arte, como me disse a dona Carminha, minha professora da terceira série; o escritor é um artista. Certo?
Acontece então que, ao pensar na resposta aparentemente óbvia, me deparei com um seríssimo problema. Não sei ainda afirmar se é um problema nacional, ou se chega a atingir dimensões mundiais, mas suas conseqüências são, a meu ver, socialmente gravíssimas! (Faça-me o leitor o favor amável de ignorar o tom irônico com que meus dedos insistiram em redigir esses pensamentos. Conseqüência tola e infantil da reação emotiva que me causa o tópico) Ao que interessa: O gravíssimo problema ao qual me refiro é o fato que... não, o escritor aparentemente não é um artista. O escritor é advogado, desembargador, dona de casa, etc etc etc.
O que eu insisto em me perguntar é: O que há na nossa sociedade brasileira que ainda nos faz ver a atividade do escritor como atividade amadora, desvinculada de sua profissão? Sim, pois bem, há dentre nós tantos escritores renomados, valorizados até exclusivamente por sua escrita, que jamais sequer tocaram num processo, pisaram num tribunal, ou exerceram qualquer que fosse a profissão determinada por sua formação. E a estes chamamos escritores. Nós leitores os chamamos escritores. Nós críticos os chamamos escritores. Mas burocraticamente, seus diplomas, os dados fiscais, ou qualquer cazzo que importe em termos de documentos formais ligados à universidade, os chamam ainda advogados, matemáticos, dentistas, eu sei lá.
Não, acalmem-se, não estou de forma alguma tentando dar um valor desnecessário e definitivamente datado à tal famigerada graduação. Uma das profissionais que mais admiro é formada em artes cênicas, e leciona filosofia; enquanto outras de formação em cinema e comunicações exercem a psicanálise, e vice versa, os exemplos são infinitos, e vêm crescendo graças a não sei bem que deidade da tal “interdisciplinariedade”. Entretanto me parece significativo o fato de não termos um curso superior para formar escritores. Está bem, meu conhecimento é de fato muitíssimo restrito para estender essa afirmação para além do meu pequeno círculo de convívio. Pois bem, tomemos como exemplo apenas a tão renomada Universidade de São Paulo. Determinando-se que literatura é arte, imaginaríamos, portanto, que na ECA, Escola de Comunicação e Artes da USP, haveria um prédio, ou ao menos o currículo de um curso reservado à milenar arte literária. A arte de Homero, afinal! O ator, o roteirista, o designer gráfico, o diretor de teatro, TV, cinema, o pintor, o escultor, o publicitário, e veja bem até o biblioteconomista têm seu curso, com disciplinas obrigatórias e optativas, vagas limitadas e dificuldade xis ou y pra passar no vestibular da ECA. Não estou esquecendo os dramaturgos, também habilitados pela ECA. (Além desse detalhe não amenizar a questão, a meu ver, a torna mais grave, já que o dramaturgo é um grupo muito específico dentro do que costumamos chamar escritores.) E tentemos buscar fora da Escola de Comunicação e Artes, então.
Qualquer um que já tenha passado pelo tal “ciclo básico” (primeiro ano) da Letras, na FFLCH, dirá que se há algo que se aprende em relação a uma produção própria de talvez-possível-literatura na faculdade, é que ela deve ser inteiramente descartada e desconsiderada. O que aprendemos logo de cara, é que aquilo que fazem os grandes, a quem tentamos romanticamente imitar aos 14, 15, 16 anos, é imensamente mais complexo, magnânimo, incrível e inatingível do que já imaginávamos. É o grande fenômeno writter´s block em massa de todos os pós-adolescentes recém saídos do mundo do colegial ou do cursinho, que aspiraram algum dia estudar literatura, para fazer literatura.
Honestamente, acho esse choque inicial muito positivo, e extremamente necessário. Talvez um tapa na cara não faça de fato mal para começar a olhar para a arte que se quer fazer com outros olhos, menos ingênuos. Seria sim um absurdo julgar categoricamente a literatura dos diários adolescentes como não-literatura, e a discussão do que é ou não é arte, não é a que interessa no momento (apesar de ter começado o texto justamente com uma pergunta análoga, mas isso é apenas um recurso de uma não-escritora para introduzir aos seus não-leitores uma discussão já tão começada e recomeçada que não parece ter começo) Pois bem, acho sim que esse bloqueio inicial dos alunos de primeiro ano, saindo fresquinhos do forno, é algo necessário. Afinal se concordarmos (e eu concordo) com Valery, que todo escritor deve ser também crítico; talvez o primeiro passo seja de fato o questionamento daquilo que se pretendia como futuro escritor. Pode ser tradicionalismo meu, mas acredito que uma boa dose de humildade perante o caminho que se pretende trilhar (seja na arte, ou numa empreitada de dirigir 20 horas seguidas numa estrada de mão única, por exemplo), não vá mal a ninguém.
Entretanto, essa dose inicial de sentimento do sublime perante A Literatura, que vive o aspirante a escritor cursando a faculdade de Letras da USP, ao invés de se tornar combustível para estudo, pesquisa, tentativa e erro e erro e erro e erro; acaba tornando-se silêncio absoluto, que beira o trauma. Talvez exagere, mas apenas no tom, porque o efeito de fato é visível, paupavel, sentido quase no ar. Aquilo que poderia ter se tornado terreno de exploração, crítica, estudo para uma produção própria acaba se transformando em quintal baldio, humildade subvertida em auto-depreciação. Acho de fato uma pena que a instituição de ensino, ao invés de incentivar uma produção consciente, dotada da possibilidade de estudo e crítica simultâneos à produção literária, incentive apenas a forma acadêmica, a teorização, a crítica. E de preferência a crítica a tudo aquilo que já tenha sido criticado e re-criticado, canonizado, de forma que o aluno forme-se um excelente organizador de fortuna crítica, mestre em compreender minuciosamente apenas aquilo que já foi catalogado por outros, maiores que ele.
Sim, poderia resumir minha crítica ao fato que a faculdade que curso (há tanto tempo que já acredito poder falar de um lugar quase de fora) não possui nenhuma espécie de disciplina ligada à produção de literatura, à chamada por alguns cursos livres de “escrita criativa”, à produção própria de literatura do aluno. Mas isso é apenas um detalhe, ou melhor, uma conseqüência da grande questão. O que é que se preenche no campo “profissão” no formulário do dentista, quando se é graduado em Letras? Literato? Professor? Crítico? Duvido que alguém, por simples lógica, preencha “escritor”. Não, a Letras não forma escritores, como a Faculdade de Artes Cênicas forma “atores”, “dramaturgos”, “diretores de teatro” ou como a Poli forma “engenheiros”.
Mais uma vez gostaria de reiterar: talvez uma formação de escritor não fosse a melhor escolha para um indivíduo que desejasse com toda sua mais profunda paixão dedicar-se à literatura; assim como não necessariamente é a faculdade de Artes Visuais que de fato forma um artista plástico. A questão aqui levantada não é a melhor ou mais adequada (que terrível expressão) forma de se aprender ou desenvolver uma determinada atividade, artística ou não. A questão é o motivo e as conseqüências do fato que aparentemente, academicamente e institucionalmente, o escritor ainda é colocado num lugar de amador; ou mais problemático que isso, de gênio, dono de um conhecimento individual e impossível de ser compartilhado.
A meu ver, uma das difíceis conseqüências desse lugar distanciado da figura do escritor, é a distância entre a crítica e a literatura. Aprendemos a desvalorizar com os melhores e mais embasados argumentos, grande parte da literatura que surge contemporaneamente, da literatura bem recebida pela Folha de São Paulo, da literatura das vitrines da Livraria da Vila, dos Best-sellers. Nós, da Letras, criticamos ascépticos cada um dos recém auto-denominados escritores por sua falta de profundidade, interesse, matéria “artística”. A prática e a teoria estão mesmo tão distantes? Sou a primeira a meter o dedo na publicação alheia, na palestra supostamente realizada para discutir processo criativo, em que acaba por se dizer que é este um processo “muito pessoal”, “intransferível”, “inexplicável”, e se mantém o autor num lugar intocável, de quem no fundo não tem nada a dizer. Sou também a primeira a reclamar a falta de consciência crítica, do rigor ou do simples interesse de tanta literatura feita por aí. Sinto raiva da raiva ao crítico, entro na dança e sinto raiva da consciência pouco pesada de tantos que parecem escrever sem ler. Escreveu, não leu... Mas a ordem é inversa. Nem todo escritor deve ser crítico? Nem todo crítico precisa ser escritor. Mas a serviço de quê está esse muro acadêmico? Ou melhor, a serviço de quê está o não-lugar acadêmico vivido pelo nosso amigo fantasma escritor?
Por quê acredita-se que se torne um melhor músico aquele que estuda música, e um melhor ator aquele que estuda (inclusive na sua teoria e história) o teatro; mas não se associa o estudo da literatura à boa produção literária? Não quero passar uma impressão conservadora que determina previamente que o bom escritor será o estudioso de literatura (isso seria inclusive a meu ver uma afirmação dura e errônea), apenas questionar o por quê do distanciamento tão imenso entre a crítica, a teoria, e o fazer literário. É como se crítico e escritor dividissem de forma sagrada um trabalho que toca a ambos como espécie de time, mas no qual é expressamente proibido a um fazer o trabalho do outro.

É de fato uma curiosidade levemente preocupada o que me move nessa reflexão. Não tenho ainda (e me pareceria estranho ter) hipóteses bem embasadas para comprovar, teorias a argumentar. Resta-me apenas essa vontade de diálogo a respeito, essa necessidade de compreender quais são as implicações desse lugar isolado no qual foi metida a figura ranzinza e solitária, essa espécie de gênio de talento inexplicável não “ensinavel”, no qual francamente não acredito. Se tantos artistas reconhecidos a menos tempo na história que o escritor, lutaram por um espaço acadêmico, por um lugar de troca e formação, por não ter mais o glamour e o peso das artes ditas dons que se nasce possuindo, aprende sozinho, aprende fazendo... A serviço de quê está esse afastamento da arte da escrita de sua teoria, de sua crítica, de seu estudo? A serviço de quê formamos críticos e teóricos com máscaras estereotípicas de frustrados e amargos, prontos a detonar seus inimigos artistas incompreendidos, tantas vezes cobrados justamente na sua falta de diálogo com a teoria?
Me incomodam profundamente tanto a imagem estereotípica do crítico mal amado e amargurado, quanto do escritor gênio incompreendido e inatingível. Me parece que a ambos falta a liberdade de ser, ao menos por vezes, justamente o outro.