quarta-feira, 26 de setembro de 2012

diário

Hoje

Sonhei com voz narrativa: fazia e desfazia o enredo de acordo com a coerência. vou então caminhando através dos estados unidos com todo o dinheiro que tirei da conta guardado em um bolso, não, assim não é coerente, atravesso os estados unidos fugida e a pé justamente para buscar o cartão de uma conta que... e assim se seguia o sonho, que começara com a guerra lendária pela qual se espera e o pedaço de azul que vejo pela janela. por não ter desfeito teria feito tudo errado, e ela e eles todos desgostosos, era o fim. mas o fim já estivera lá desde sempre, e dentro mesmo do sonho eu sabia, quase tranquila. partia então, a pé. aprendia pelo meio do caminho que era todos os dias seguida pela minha ofendida mãe, que lia minhas cartas em mensagens de texto noturnas e me observava a distância, sem se aproximar. na metade da jornada, decidia seguir só. e eu, continuava.

Acordei torci por mais duas horas, como acontece quase sempre, e como quase nunca acontece tive apenas meia.
fazia frio e roubei mais dez, depois saí com ar de único dia, aquele que devia encerrar dentro de si a semana toda.

sorri, como de costume, com menos pompa do que se espera, e em troca recebi um amor distante e difícil, não me busque do outro lado, eu posso te ver daqui. Os 3 sapatos debaixo das três cadeiras, e faltava um, angustiado. Não demos, porque temos que te ser como somos todos nós, meu caro, eu sinto muito. E sinto mesmo.

Desfiz depois porque tentávamos repetir o único, e é esse erro o cerne de toda educação: re-faça. Não há também tragédia em automatizar uma vez apenas, então sentei-me para descansar.

Procurei em mim qualquer pessoa que tivesse vontades de comer, e não encontrei. Achei só a vontade cotidiana de um teco anterior: voltei lá e pedi um brownie e um salgado. Busco uma repetição -maldita- como ele busca uma felicidade numeral, nas pequenas comidas nossas de cada dia que passou. Li umas duas páginas.

Cheguei mais cedo do que esperava em ambos: na reserva, e no destino. Funciono, hoje, como todos os dias: gosto mais de enrolar na porta do que inventar precisões. Não compreendo atrasos, em nada que me espere para existir. Sou mesquinha e gananciosa com o tempo e os olhos dos outros. Ajoelho no milho por cinco minutos com joelheira, e por cinco minutos sem.

Tirei receosa as meias, e subi feliz nos 60 minutos contados. Tentei encontrar onde ficam os botões dos meus tornozelos. Chamei os tornozelos de cotovelos umas cinco vezes, e entendi que mesmo adultos não sabemos onde fica o nosso próprio corpo, que dirá o corpo alheio. Quando você põe força, está menos comigo. Desfizemos tudo para começar de novo, e meus braços já não tinham mais a menor ideia de onde costumavam ficar. Descobri um lugar muito pequeno e distante, que dentro do meu quadril, se encontrado, escuta melhor que meus ouvidos.

Retornei para achar que ficaria muito pouco tempo em casa, como sempre acho que fico. Amei em silêncio minhas roupas jogadas, e escutei o som de não cuidar de nada estalar de alegre dentro das paredes. Um jato de água invadiu minha intimidade glutona de engolir açúcar, e fechou-se sem aviso minha persiana. Me diverti com o susto e o escuro, regozijei a impotência de quando acaba a luz, mesmo podendo acendê-la. E escutei feliz o barulho de que qualquer coisa lá fora está pendurada por cima da minha janela, e invade meu dia como se eu não existisse.

Esbarrei, depois, sem querer em mina de ouro ao contrário e meus pés e cabelos de oriçaram desesperados lembrando de fora dessa porta e as vontades e absurdos todos. Quis com toda a paixão do mundo, coloquei debaixo do peso de papel para depois e deixei um bilhete grampeado nas orelhas: postergar a escolha entre decepção e loucura, ou seria loucura e decepção, ou entre tédio e erro, ou mesmo a decisão entre nada e qualquer coisa. Enfim, pra depois. Mas não muito depois, porque uma hora é preciso dizer que se quis e foi e fez e foi uma merda ou mudou a vida.

Depois me deitei, ou melhor, demorei para me deitar porque aquilo ainda corria dentro das minhas pernas, então primeiro me recostava e depois ia deitando bem aos poucos, sem perceber. Me deitei, re-li "A Legião Estrangeira" e chorei um pouco porque é preciso chorar um pouco cotidianamente, ou porque eu também, como Ofélia, mato por amor, quase todos os dias.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Bruta Flor

A flor é sempre a imagem do poema.
de todos os poemas.

vejo-a, bruta, e tão finamente nítida
delicada em des-delícias,
após todos os quereres aquietados
dormidos, inversos

em plena,
plena, ela, ali

fora de todos os rasgos
fora de todas as rosas
aquieta-se

é linda, bruta
assim delicada
ornada de nada
nada
nada
nada

A palavra, não mais secreta,
secreta lenta seiva

-Há, afinal, raízes que se podem replantar-
não pela muda, não a semente
não para que seja flor outra.
para que seja-se plena

não cresce, não morre,
não quer.

Ah, bruta flor transvivida,
transada, em transe transformada
na mais das mais,
a delicada.

Sem ter fim,
total.
despetalada pois
sem país, desejo, mar
frondosa,
minha     nossa
flor

Onde não queres nada,
              somos,
                          enfim.




Só assim se poderia algum dia ver. A resposta esteve sempre lá, o segredo.
Escutando infinitas, distante, finalmente percebo.
A plenitude me foi dada de presente, no olho do furacão, da ressaca repuxa, vista de longe
de depois de depois de amanhã.
O segredo do Quereres. era esse.
"onde não queres nada, nada falta"


Eu insisto em palavras mas não há, no fundo, o que te dizer
só essa perfeição que não se
mancha, risca, explica
imensa, mais imensa que
o mar anterior, muito mas muito
mais vasta que nós.




"Bonde da trilhos urbanos,
 vão passando os anos, e eu não te perdi
 meu trabalho é te traduzir."