sexta-feira, 24 de maio de 2013

Amorde

Disse a Édipo a esfinge:

Não escolhe um lado meu, meu filho. Aceita-me por inteira. Decifra-me, e te devorarei.

E Édipo ficou em silêncio, sem saber que estava jogando o mesmo jogo de antes.

famigeramília

pessoas que não são estanques
estantes
pessoas que não são estantes, por mais que queiram -algumas- ser livros
devemos e queremos ser juntos (justos. foi um erro de digitação ala Dr Ziggie)
e pra isso: estou tentando abrir um espaço dentro dos meus ombros,
entre as minhas costelas,
ao lado dos meus peitos, under my colar bone
para que vocês sejam todos contradiçõesmente anti-estânticos
semi-semânticos
obrigada
é, talvez seja quem sabe mais difícil derrubar a estante
do que construir, de pedaços uma coisa que se possa chamar de.

que eu preferisse um muro, nem viria ao caso, mas não prefiro
uma rainha feita de perfeição é mais difícil de matar do que um urso
e selvagem sabe de selvagem, a vida de gotas de açúcar e porradas na madeira
melhor assim.
sincero isso, não é conformidade.
vocês são todos uma cidade grande, uma metrópole linda e poluída
sim e não e samba de avenida.
é pra se esperar do mundo que cada um sejam muitos
essa sabedoria devo a vocês,
meus amados ancestrais.





quinta-feira, 16 de maio de 2013

Entre dentro e fora da lente dos óculos


quando consigo, por um segundo, olhar bem no meio do aro
bem em cima da linha,
os faróis dos carros dali
borram, abrem-se, dançam
voam primeiras estrelas que vejo
-através da janela do seu banheiro, onde as cores se misturávam no acrílico -
a lâmpada reflete e flair-a , flerta.

Caio para a margem de cima, olho por fora
faróis
foco.
Caio para a margem de baixo, olho por dentro
faróis
só um pouco fora de foco (meus óculos são para perto)

Em cima da margem dos meus óculos, o equilíbrio aberto
na corda bamba do meu aro

Eu te disse uma vez meu tipo favorito de meditação é focar em bonito
entenda melhor: desfocar na medida exata da margem.
de cima do muro durmo confortável
encontro por segundos a beleza íngreme, que só você entenderia.

Prólogo - ou de como esmagar e não esmagar uma rosa -

Interessa-me a refeitura, a refazenda da fada, do conto do antigo, atávico, amplo e ambíguo, do ancestral.

Pergunto-me então, o que acontece quando ousamos modificar um conto de fadas? Me arrisco no esgotamento da interpretação, no esvaziamento do mais profundo dos sentidos inexplicáveis? É esse revolver a terra, justamente, que me interessa. É esse destrinchar e reescrever de verdades absolutas e passadas que me puxa. Que reaconteça então, o que se quiser.

Sempre detestei os críticos experts em "e se"s da literatura. Ainda os detesto, com facas nos olhos, hipotéticos patéticos. Mas o seu erro não é a maculação da obra, do personagem, da trama, ou do sentido daquilo que não poderia ter sido, se não, aquilo. Entendo agora que o que me parece absurdo é a posição distante e ascética dessas luvas brancas. Daqueles que não querem sujar as mãos de tinta. It's a dirty job.

Dizque disse Valery ser preciso ser crítico para ser escritor. Pois bem, verdade. Também, porém, é preciso ser tradutor para ser crítico, preciso ser escritor para ser crítico. no sentido mais banal de ser escritor. é preciso mastigar texto dentre os dentes, "filete de sangue nas gengivas" e o caralho. É preciso deglutir palavras, é preciso ser contaminado por estilos e refrões, é preciso ser copista como Pierre Menard de Borges, queimar manuscritos e negar convicções como Galileu de Brecht, ficar em silêncio como os poetas japoneses. É preciso pegar o texto com as mãos, come-lo com a boca, rasgá-lo com os dentes, pisá-lo com os pés, escrevê-lo novamente. Então vale até se perguntar sobre vida sexual de Capitu, os desejos mais profundos de Helena, e se era possível para o personagem da Terceira Margem do Rio não oferecer-se em sacrifício ao pai. Escrevam, pois, toda a des-história da literatura, toda outra vez. Mudem e desmudem o que quiserem, sem distância, sem ciência, com as mãos. Então será mais verdadeira a palavra que aponta para dentro e para fora do texto já existente. Não me interessa a obra imaculada, interessa-me a obra maculável.
 It's a dirty job, but someone's gotta do it.

Retorno ao meu ponto: reescrever contos de fada. O que significa, então, enfiar o braço até o ombro, no lodo denso de matéria há séculos se decompondo e fazendo existir massa de verdade orgânica e original? O que significa enfiar as mãos e revolver a estrutura original e absoluta, o próprio arquétipo?

O roubo, inicial e final da identidade. Talvez fosse e seja mesmo questão de antropofagia. Estenda, entenda, o conceito para fora dos nacionais e desnacionais: para fora de espaços e para além de tempos. Os jardins de veredas de Borges, os tempos que se cruzam. Tenho medo de matar a realidade, resolvendo-a com modificações confortáveis. Não, não é confortável matar ou perdoar a fera. É necessário ir além do julgamento do final feliz. É necessário ir além de tudo isso, para dentro do estômago. As palavras têm o poder curativo de entender que não se é curável. O xamã, para o luto. O lobo para ser o lobo, e não a solução interpretável do lobo. O que já está escrito para servir de tinta e papel. Todos os livros do mundo: papel manteiga, superfície. Será que ainda não entendemos a inexistência de folhas em branco? De superfícies abertas e limpas, à espera de nossa palavra original? É preciso roubar a Whitman, entrar no jogo amoroso entre Whitman e leitor, fazer menage a trois. É preciso entrar sem medo no meio das aspas, como Ana.

Mas eu tenho medo de matar a verdade original do ritual. É pela destruição e pela morte do pai e reorganização em desordem que se pode respeitar a tradição. Eu não sei, não tenho a mais vaga certeza. Me disse o mestre, citando sua mestra, que não esmagar uma rosa depende de não se ter medo do ato destruidor. Sei apenas que precisava dar a Chapeuzinho Vermelho canivete, pai, força bruta, a capacidade de dissimular, e um futuro nome. E que precisava roubar-lhe a capa.
 "a identidade se parece mesmo com um roubo inicial

fecha aspas.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

sexta-feira, 3 de maio de 2013

poema ouvido do andar de cima



bagunçamess of quotes
color-coded
labeled, folded
de fita e contact paper
and ultra original pontos finais.
desilusão obsessiva
transborda para fora das gavetas
gaivota rota na cortina.
eu não desço, nem precisaria
Pessoinha, quem será a próxima vítima?
quem será?

Você sabe o que significa uma orquídea?

Escalada em revisão
Fique atento: eu não quero
mais olhar a tua cara
no retrovisor.

é para isso o papelão no corredor
as tintas espalhadas pelo chão
para isso os recortes de reprodução

se não.