quinta-feira, 9 de junho de 2016

Um poema em U

eu queria...
te escrever um poema.

era importante
te escrever um poema.
como se quando eu, finalmente,
te escrevesse um poema
fosse ser possível
ver estrelas
o primeiro planeta
que não se vê daqui,
focar o espaço embaçado sem os óculos,
vestir uma lã que coubesse,
estancar um corte, descansar um corpo.

como se fosse, a cada palavra, ser desdobrado
um barco de papel

quando o poema chegasse.

o poema está engasgado
o poema arranha
o poema está engolido feito um choro
feito um choro bom
(alguém engole choro bom?)

o poema quer existir como uma pedra, uma concha,
mas ele pisca
refrata,
uma imagem que deseja desesperadamente ser refletida
numa onda.
ele esboça
dança
ensaia,
mas a onda quebra.
o poema se vsilumbra
deslumbra,
e desiste.

os desenhos das montanhas que se espelham na areia da praia...

o poema não dá tempo

o poema queria ser uma praia
pra você deitar um lábio sorridente uma sobrancelha tranquila
o poema queria ser e não sabe
o poema queria saber e não é

o poema não dá cabo

uma pipa sem rabo descaso de menina que fez só
um losango de papel de seda
sedo
a sede é o poema que queria ser de
quem antes de mim fez versos
de quem depois de mim fará
mas é meu
e em mim não sabe pousar

o poema não é meu
o poema é seu
mas ele não sai
ensaio
um desmaio oblícuo
um grito curto
um mergulho fundo
recaio
diante da soleira

o poema é um homem de terno com um buquê de flores
que não toca uma campainha
que não berra debaixo da sacada
nem canta

o poema está quieto
bicho tímido
acabrunhado e mudo
pintando os próprios lábios
pra ver se aparece

meu lápis de olho é uma caneta bic

o poema me olha de lado
ri da minha cara
imita a tua risada
pra me fazer sorrir

há tanto tempo eu quero
te escrever um poema.

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