segunda-feira, 30 de junho de 2014

Vamos?


- vamos?
- não estou pronta.

procuro a bolsa por debaixo do edredom, encontro setenta e oito fios de cabelo, começo a colagem. Falta os sapatos, o eixo. torço a coluna vertebral por debaixo, acerto o olhar no ponto fixo para pirueta.

- vamos?
- não. ainda não.

tudo cai para fora dos bolsos, eu transbordo demais, tento conter, será enchente trágica se abro essa porta agora e voa pra fora do quarto a água da torneira há sete anos aberta. volume morto. alerta para os sons da rua, a minha voz desafina, procuro o ré, não acho.

- vamos?
- espera, não estou pronta.

pela janela voam os lenços, eu não vou encontrar nada. debaixo da cama tem muita poeira, espera eu varrer, espera. não tem tapete. não acho tapete, não tem por onde. pra dentro dos bolsos, e de lá pras xícaras, e elas se espatifam no chão lá embaixo e... oito segundos de ausências esparramadas no sofá. é por isso que eu não tenho um relógio de pulso, valha-me deus e a ponta dos pés.

- vamos?
- espera, ainda falta...

não tem desarranjo, se o arco do pé fosse maior, a cervical menos doída, se eu tivesse nascido em capricórnio, de olhos castanhos, ou a mãe, o pai, a tia o cachorro não tivessem feito os rasgos nas meias, eu. a estante, procuro nos índices os lados certos, avesso da manga. tem manga na geladeira, pega uma enquanto espera. eu não achei a cera, nem a lâmina, nem a vontade de ser todas elas. vai faltar.

- vamos?
- mas... calma, vou acertar.

acabou o pó de café que eu nem tomo, a coluna não acha eixo não existem casacos cascos caramujos o suficiente nem que eu quisesse sei descrever essa parábola. eu não terminei o livro, nem de lavar a louça. não achei as botas, nem a porta de saída da primeira casa. não queimei as fotos, não encontrei de novo aquele último pra dizer as desditas, não entendi como se fica da janela olhando sem cair. vou errar a mão de novo e queimar o brigadeiro, vou desfazer as certezas de primeira, vou riscar mais forte do que queria, vou ler no olho o que não devia, vou concluir e cortar a última página. não encontro a chave.

- vamos?
- ainda não estou pronta. vamos.

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