sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Um poema para Margaret Atwood

acho que não existe uma mesa sequer nessa cidade
com uma janela ou um vão ao lado
em que não se ouça o som de serras
britadeiras
furadeiras
essa ampliação até o limite
do som das máquinas de dentista
o agudo que pulsa dentro da raiz do dente
até o topo da espinha
e de retorno ao estômago:
tudo no mundo está em obras

existe uma ansiedade pulsante
que a gente lê e acredita e assina embaixo
ser nossa
minha
particular
intransferível
íntima e inconfessável
todos os horóscopos dizem a mesma coisa
o pulso logo abaixo da garganta
é unânime

o mundo é uma cobra que se prepara para o bote
a minha esofagite
a sua rinite
a nossa cólica
não é minha

pai nosso, mãe de ninguém

minha loucura, não te acalma
te caçam na esquina se você vacila
não te acalma, te apruma
veste o waterproof dos sorrisos de batom
tece uma mortalha de dia
escreve poemas de noite
passa por baixo da porta
para a cela ao lado

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